sexta-feira, 5 de outubro de 2012

Casu Marzu: onde os fracos não têm vez

Comecemos com o vídeo abaixo, pra já dar uma noção do assunto e quem não tiver estômago forte já pode parar por aqui...



A primeira vez que ouvi falar do Casu Marzu foi no livro "1001 comidas para provar antes de morrer". Eu tinha um super preconceito com esta coleção. Falando sério, ninguém merece este título. Mas num desses chás de cadeira que quem compra passagem em promoção sempre leva em aeroporto, comecei a folhear o livro e me apaixonei. Comprei pouco tempo depois e descobri que é resultado de um trabalho muito bem feito, a curadoria é muito boa, o texto muito verdadeiro com descrições interessantes dos sabores e tradições de cada alimento, sei disso pela descrição de algumas frutas brasileiras, que estão bem representadas.

Enfim, tava lá o Casu Marzu. O autor já avisava: estômagos fracos deviam pular aquela página. É resultado de um queijo comido por vermes. É nojento, eu sei, mas é uma iguaria. Também é um pouco hipócrita se a gente pensar que comemos tantos outros com fungos e bactérias, seres vivos "invisíveis" e por isso menos nojento...Importante dizer que não é qualquer mosca, como aquela perigosa da carne de porco. É uma mosca especial, Casei Piophila, uma mosca-do-queijo, como é conhecido este grupo de insetos.

É um queijo de ovelha que quando pronto é levado para uma fase de cura geralmente em cavernas ou construções que lembram uma caverna. Tudo isso na Sardenha, aquela ilha simpática italiana. A Casei Piophila bota seus ovos que viram larvas que vão transformando a massa dura da parte interna do queijo em um creme. Quando o número de vermes diminui e o queijo está quase estourando (por fora ainda é duro) é hora de comer.

Faz parte hoje dos produtos agroalimentares tradicionais italianos, que têm uma permissão diferente para produção, pois dentro das regras de vigilância sanitária da Comunidade Européia, o Casu Marzu é banidíssimo, pode ser considerado o bandido chefe do grupo. Ainda não é claro para mim qual pode ser vendido, pelo que me disseram é uma versão mais branda, sem vermes, feita com vermes controlados. Porque existem duas versões, a super fresca com vermes se mexendo, ou a versão com eles já retirados do queijo. Por sorte ganhei a segunda, mais fácil para uma primeira experiência.

Emanuele, meu amigo, é neto de sardos, seu avô era um famoso e importante mandolinista italiano. Ou seja tocava o mandolim, um instrumento como um bandolim, típico italiano. Emanuele seguiu o mesmo caminho e é bravissimo músico. Talvez por viver tão perto da tradição musical da Itália, se encantou com minha busca pela tradições alimentares. Toda oportunidade que ele tem me apresenta um alimento ou prato típico italiano. Assim, chegou às minhas mãos, um potinho, tipo de margarina, com dentro uma pasta branca, grossa, de casu marzu.

O que posso dizer? O primeiro pedaço comi sozinha, com pressa de experimentar, em pé na cozinha com um pedaço de pão. Não foi grande coisa, deu pra sentir o sabor, forte e muito salgado. Mas esta experiência tem a ver com tradição, história, cena típica italiana: mesa com toalha xadrez, vinho tinto, muita conversa e comida! Assim a segunda vez fiz direito: como entrada, na mesa posta, com Emanuele e uma boa garrafa de vinho. Assim sim. O sabor picante, salgado e um pouco amargo foi descoberto em todos os cantos da boca, perfeito com um gole de vinho. Vale a experiência!

Me fez lembrar meu poema preferido do Drummond, reza a lenda que ele chegou tarde em Ouro Preto, naquele que hoje é o hotel mais antigo da cidade: Tóffolo, e não havia mais jantar. O poema tá abaixo, fala do que me parece sempre a coisa mais bela do comer: estar junto na mesa ou na cozinha, comer com o coração, com a alegria de compartilhar!


Hotel Tóffolo

E vieram dizer-nos que não havia jantar.
Como se não houvesse outras fomes
e outros alimentos.


Como se a cidade não nos servisse o seu pão
de nuvens.


Não, hoteleiro, nosso repasto é interior
e só pretendemos a mesa.

Comeríamos a mesa, se no-lo ordenassem as Escrituras.
Tudo se come, tudo se comunica,
tudo, no coração, é ceia.


Carlos Drummond


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