domingo, 7 de outubro de 2012

Leite cru e slow food


Já que o assunto da vez é queijos tradicionais, transcrevo aqui um pedaço da fala de Piero Sardo, presidente da Fundação Slow Food para a Biodiversidade, sobre o leite cru. A fala inteira está disponível no site do Slow Food Brasil , escrita para o I Encontro Nacional do Grupo de Trabalho do Slow Food Brasil sobre Queijos Artesanais e do I Simpósio de Queijos Artesanais do Brasil, realizados em Fortaleza, em novembro de 2011. O assunto será aprofundado no Terra Madre, com a conferência sobre Leite Cru nos Trópicos, e a participação de produtores brasileiros de queijo artesanal.



...Mas então surge, uma pergunta, absolutamente espontânea: qual a razão desta atitude criminalizante em relação ao leite cru? Porque há uma atitude diferente em relação ao sushi, às ostras, ou às carnes que se comem cruas? Porque este afinco – pois sim, é um verdadeiro afinco – contra o leite cru. Porque por trás há interesses enormes. Há as grandes empresas, as grandes multinacionais que querem ter a liberdade de comprar o leite onde mais lhe convém – onde o preço for mais baixo – e querem processá-lo com métodos que nada têm a ver com os métodos artesanais, naturais, bons. Estes lobbies, presentes em qualquer lugar, pressionam os governos, em nome da segurança alimentar, que parece ser um tema que assusta, que alerta o consumidor. Pois bem, chegou a hora de dizer com clareza que o tema da segurança alimentar em relação ao leite cru é um espantalho, exagerado e, em alguns casos, até falso. Pois a questão não é apenas o processamento do leite cru, o problema verdadeiro é que o leite de origem, o leite com o qual se produz o queijo, deve ser um leite de qualidade. É isto que as instituições devem garantir. Devem garantir que os animais sejam sadios, que não tenham doenças como tuberculose ou brucelose, e que os métodos de produção respeitem a higiene necessária. E que nós, no Slow Food, sempre defendemos a higiene. 

Mas se o leite for de qualidade, se os animais forem sadios, se os procedimentos previstos são cumpridos, a produção do queijo a partir do leite cru é a única forma de garantir a excelência, a única forma de garantir a biodiversidade.
E isto tudo é ignorado, como se não houvesse diferença nenhuma entre a produção com leite pasteurizado e com leite cru.

Pois bem, é preciso repetir com clareza que a única forma de produzir qualidade, qualidade de alto nível, é a partir do leite cru. Independentemente do bom. Porque o consumidor poderia dizer: “a segurança de um lado, o bom do outro. Pois talvez eu prefira comer produtos um pouco mais padronizados, mas ficar mais tranquilo”. Eu acho que a aposta é muito alta, aqui estamos discutindo um conceito de liberdade de escolha. Isto é: o consumidor deve ter a liberdade de escolher o que ele quer comer. O rótulo deve declarar de forma clara se o queijo é produzido com leite cru ou com leite pasteurizado. Se foram utilizados fermentos industriais ou não, e uma vez que o rótulo conter estas informações, o consumidor deverá ter o direito de escolher. O “DIREITO”. E ele vai escolher o leite cru, porque é uma forma de garantir uma boa refeição, um bom queijo, uma boa qualidade organoléptica.

E não é apenas isto: o tema da liberdade é fundamental. Por isto peço seu apoio, peço que aprofundem estas informações.
Mas há também o tema da biodiversidade, como estava dizendo agora há pouco: quando se destrói toda a flora bacteriana presente num determinado lugar e num determinado leite, se está produzindo uma seleção violenta da biodiversidade. Uma biodiversidade microbiana, que não se enxerga, e que por isto desperta menos a emoção. Mas se trata de uma biodiversidade: qualquer lugar de produção, qualquer fábrica de queijo tem sua própria biodiversidade. Se a gente a destruir em nome de uma declarada segurança alimentar, para inserir uma única bactéria selecionada, quase sempre produzida industrialmente, a gente estará atuando uma seleção violenta desta biodiversidade que, infelizmente, não se vê. Como também não se vê a situação de nossos oceanos. Porque que o nosso oceano é tão penalizado em relação a outras situações de biodiversidade, como a floresta, as áreas lacustres, ou os animais em vias de extinção? Porque, infelizmente, debaixo d’água não conseguimos enxergar o desastre que está sendo cometido. E a mesma coisa acontece com as pequenas microfloras locais, com o conjunto de bactérias que atuam na produção do queijo. Não se enxergam, e portanto podem ser tranquilamente destruídas, utilizando bactérias produzidas artificialmente...

Piero Sardo – Presidente da Fundação Slow Food para a Biodiversidade
Outubro/2011

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